Os Picaretas da Fé 2 – O Retorno
Tá aí, mais uma coletânea de absurdos que aparecem todo o dia pelas igrejas.
Venha receber o banho do alívio com arruda e alecrim e saia pior do que como entrou
Venha receber a prece violenta!
Talismã da vigília dos 318
Chave da riqueza
Só esse tem a assinatura do Sr. Jesus Cristo
Descarrego com os “sete elementos sagrados”: Sal, arruda, enxofre, nardo, oléo, água do rio Jordão (lógico, né?) e o sangue do Cordeiro
O legítimo sabonete do descarrego, com extrato de arruda
Presença do maior evangelista do século (?)
Chegou o que faltava em Manaus: Uma pessoa dotada de poder sobrenatural
Do que mais ele é “ex-”?
Vassoura da Destruição (???)
Faça curso por correspondência e tenha sua própria igreja!
O cara é bom mesmo…
Espada pelo Apóstolo e pela Bispa!!!
Espada pelo Senhor, espada por Gideão!! Vamos exterminar os midianitas!!!
Espada do espírito guerreiro
Pra que serve isso?
Venha e traga todos que precisam de milagres. E os que precisam de salvação?
256 países? existe tudo isso mesmo?
Agora eu posso entrar e sair do Reino do céu a hora que quiser
Pra quem gosta de dar carteirada
Jesus não tinha nem onde reclinar a cabeça e mesmo assim não era escravo de ninguém
Leve a sua arca pra onde quiser
Prefiro um tesouro no céu
Não vejo panfletos de campanha pela comunhão da família, pela salvação da família, nada disso. O que tem mesmo é oração pela vida financeira, sem contar o “nardo da prosperidade”
~ por Renato Oliveira em 17 janeiro, 2009.
COMO É FEITA A LAVÁGEM CEREBRAL:
SUPERSTIÇÃO Oliveira participa de sessões de descarrego quase toda semana. ‘A reza da Universal é mais forte’, diz Ainda que impressionem à primeira vista, os transes testemunhados nos templos e nas TVs da Igreja Universal recorrem a truques conhecidos. A começar por uma mensagem sedutora: o pastor diz que o fiel é uma boa pessoa e todo o mal que ele faz ou sofre é causado por um espírito maligno. Quem vive dramas insuperáveis se entrega facilmente à fantasia. ‘As pessoas são sugestionadas pela voz autoritária do pastor até atingirem uma espécie de estado hipnótico’, diz a psicóloga paulista Denise Ramos. A repetição das orações em voz alta, de olhos fechados, conhecida pela medicina como respiração holotrópica, produz um fenômeno de superoxigenação no cérebro. O resultado é um rebaixamento dos níveis de consciência. Quem está no meio de um agrupamento tomado pela euforia tende a se deixar contaminar pela emoção. Há um mecanismo do sistema límbico do cérebro, o mais básico da área nervosa, que induz a pessoa a se comportar segundo as atitudes da multidão que a cerca. ‘É por isso que choramos em comícios ao ouvir o Hino Nacional’, compara Denise Ramos. A gritaria dos milhares de fiéis que participam das sessões de descarrego contagia quem está lá carregando conflitos psicológicos. ‘O povão não tem acesso à psicanálise. As pessoas procuram esses cultos populares para aplacar seu inferno interior’, diz o pastor Mozart Noronha, da Igreja Luterana do Brasil. Pastores e seus auxiliares, chamados de obreiros, aprendem a induzir o transe. ‘Quando a pessoa está tonta, fica mais aberta para manifestar os demônios’, diz a obreira Aparecida Santos, ex-fiel da Igreja Universal, atualmente na Igreja Internacional da Graça de Deus. Ela ä costuma pôr a mão na cabeça dos fiéis e fazê-la rodar. Outro recurso que funciona é tocar músicas altas no teclado, com acordes bem tenebrosos. ‘Porque o demônio não gosta de silêncio’, explica a obreira. Aparecida aprendeu as técnicas do exorcismo na Universal, onde passou cinco anos como auxiliar de pastores. Está convencida de que as cenas na igreja são manifestações reais de entidades do mal. ‘O diabo está lá mesmo’, afirma. Só discorda dos métodos de sua ex-igreja. ‘A Universal expõe muito a privacidade da pessoa.’ Nos cultos dos quais participa hoje, Aparecida identifica quem está possesso e o encaminha a um canto da igreja. A Igreja Católica vê as aparições de diabos e semelhantes nos cultos neopentecostais como fraude grosseira. ‘É como se fosse um show em que os pastores exibem o diabo subjugado como se fosse um animal na jaula’, diz o padre Cleodon de Lima, de 36 anos. ‘Se a intenção fosse curar a pessoa, não precisaria mantê-la tanto tempo diante da platéia, sendo ridicularizada.’ Até o século XIX, crises histéricas ou casos de dupla personalidade eram interpretados por padres católicos como possessões demoníacas. Com o avanço da ciência, varreu-se o obscurantismo. Na década de 60, o Concílio Vaticano II decretou que apenas alguns sacerdotes, nomeados pela Igreja, poderiam expulsar demônios. Para regulamentar os rituais quase clandestinos, o papa lançou em 2000 um manual oficial de exorcismo. Fez questão de destacar que casos suspeitos devem ser encaminhados primeiro a um psiquiatra. O MISSIONÁRIO Presente em quatro canais da TVaberta, R.R. Soares evitamostrar exorcismos. Seus programas sãomaisleves, com pregações e depoimentos As igrejas evangélicas tradicionais se constrangem com o espetáculo das neopentecostais. ‘A mesma cultura do medo que enche os filmes de terror no cinema também funciona para lotar as igrejas’, compara o pastor luterano Mozart. Os religiosos criticam a obsessão da Universal pelos atos do demônio e a acusam de deixar Deus em segundo plano. ‘A Bíblia diz que Jesus até expulsou alguns demônios, mas nunca fez disso seu ministério’, afirma o pastor Israel Belo de Azevedo, reitor do Seminário Teológico Batista. Muitos evangélicos tampouco acreditam que a presença satânica seja corriqueira como prega a Universal. ‘O diabo não fica roubando o marido de umas pessoas ou o emprego de outras’, ironiza o pastor Ariovaldo Ramos, da Associação Evangélica Brasileira. Boa parte dos freqüentadores da Universal já recorreu a tendas de umbanda ou centros espíritas, onde conheceu o mundo dos transes e das incorporações. Curiosamente, a Universal buscou inspiração nas religiões afro-brasileiras para apimentar seus cultos. Edir Macedo, que foi umbandista, adaptou os rituais do terreiro. Os gestos no descarrego copiam a coreografia dos incorporados em tendas. Os demônios que os pastores combatem e exorcizam confundem-se com as entidades da umbanda, como Zé Pelintra, Pomba-Gira ou Tranca-Ruas. Os objetos mágicos oferecidos também foram retirados dos terreiros (leia o quadro na pág. 74). Arruda com sal grosso são usados para espantar mau-olhado. Alguns pastores adotam o branco, reproduzindo a vestimenta dos pais-de-santo. ‘São elementos estranhos ao cristianismo’, diz o pesquisador Leonildo Campos, da Universidade Metodista de São Paulo. ‘A Universal se aproximou tanto da umbanda que precisa mover uma cruzada contra as religiões afro-brasileiras para se diferenciar’, afirma. Mesmo para quem freqüenta os terreiros, a apropriação é esdrúxula. ‘Em vez de afastar os demônios, a encenação acaba atraindo-os’, acredita a terapeuta holística Joelma Rodrigues, de 33 anos, que até os 12 era fiel da Assembléia de Deus e hoje é umbandista. O teatro da possessão demoníaca é eficiente também porque é divertido. O paulistano Eduardo Oliveira, de 28 anos, tornou-se figura conhecida no palco da Catedral da Fé, megatemplo da Igreja Universal. Incorpora encostos e demônios quase toda semana. ‘Não tenho culpa, sou mais sensível que os outros e me entrego com mais facilidade’, explica. Oliveira foi batizado na Igreja Católica. Há pouco mais de um ano, abalado pela perda do emprego e pelo fim de um antigo namoro, foi atraído por um programa de TV da Igreja Universal. ‘Já experimentei outras ä igrejas, mas, em matéria de libertação, não existe melhor que a Universal: a reza é forte e específica.’ Oliveira fecha os olhos, une e aperta as mãos contra o peito. Começa a rezar em voz alta. Um obreiro atento aos fiéis mais exaltados se aproxima. ‘Eu ordeno, se manifeste’, diz o obreiro, fazendo movimentos circulares com a cabeça do fiel. Oliveira se joga no chão e começa a se debater. ‘Minha perna fica bamba, meus braços amolecem, quando dou por mim estou no altar’, diz. Na guerra aos encostos, os pastores da Universal pegam carona no trabalho catequizador da própria Igreja Católica brasileira, que durante séculos trabalhou para associar as religiões africanas trazidas pelos escravos a práticas abomináveis de magia negra. Agora isso está enraizado no imaginário popular nacional, que tem uma relação ambígua com essas tradições africanas. Ao apelar para essa velha briga, Edir Macedo retoma a retórica dos anos 70, quando fundou sua igreja. É um reposicionamento do líder neopentecostal desde a malsucedida empreitada contra os católicos, na década de 90. Quando o bispo Sérgio Von Helde, da Universal, chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, em 1995, as críticas vieram dos próprios fiéis de Macedo. Afinal, 70% deles convivem bem com o catolicismo, segundo uma pesquisa do Iser. O mesmo estudo mostra que 90% dos pentecostais associam as religiões afro-brasileiras ao demônio. ‘Vemos um exército evangélico atacando de forma sistemática comunidades afro-brasileiras, que nem têm como se defender’, aponta a pesquisadora Mariza Soares, da Universidade Federal Fluminense. EXPOSIÇÃO Os fiéis não podem ser ridicularizados, diz o padre Cleodon, ex-evangélico O apelo do demônio é forte porque atende a uma grande camada da população que vive imersa em superstições. O neopentecostalismo se desenvolve nos extratos mais pobres da população. Pesquisas revelam que um terço dos fiéis sobrevive com menos de dois salários mínimos, 68% não passaram do ensino fundamental e um em cada dez é analfabeto. Em geral, acreditam em magia negra e forças ocultas. ‘O povo acha que o demônio está por aí, agindo através dos incautos’, diz a antropóloga Regina Novaes, do Iser. Jogar a culpa por tudo que há de errado no demônio é uma solução confortável para quem busca alívio nos cultos. As conseqüências podem ser perigosas. ‘A pessoa sai da igreja acreditando que não tem responsabilidade moral pelos erros que comete’, diz o pastor evangélico Ariovaldo Ramos. O crente também fica convencido de que possui uma personalidade frágil e influenciável. ‘Ele está pronto para ser manipulado por qualquer líder espiritual que se apresente como solução. Escapa dos vícios para virar escravo desses pregadores’, acusa. O TEATRO DA POSSESSÃO Como os pastores empregam técnicas e truques para induzir o fiel a entrar em transe nas sessões de exorcismo TRILHA SONORA O tecladista executa melodias leves nos momentos de alusão a bênçãos divinas. Mas, quando o pastor menciona as ações do demônio e de espíritos malignos, ouve-se uma sucessão de acordes pesados, que lembram filmes de terror ILUMINAÇÃO Em alguns cultos realizados à noite, os pastores apagam as luzes principais da igreja. Envoltos na penumbra, os fiéis ficam mais sugestionáveis. Os pastores também pedem às pessoas que fechem os olhos ROTEIRO Para evocar os demônios, os pastores fazem orações repetitivas. A mente humana tende a aceitar como verdadeiras as frases proferidas sucessivamente, em tom de autoridade e num ambiente emocional COREOGRAFIA Os obreiros apertam e balançam a cabeça ou o corpo do fiel em movimentos circulares. A tontura e a falta de apoio no chão são fatores que induzem o transe FIGURAÇÃO O burburinho das pessoas rezando e gritando rebaixa os níveis de consciência de fiéis suscetíveis. Quem está no meio de uma multidão é influenciado pelas emoções dos indivíduos ao redor ADEREÇOS As igrejas usam símbolos que tocam as emoções dos fiéis. Os pastores incentivam-nos a trazer objetos de valor emotivo como fotografias de parentes, currículos impressos e carteira de trabalho para ser abençoados SONOPLASTIA Em algumas igrejas, junto com a música, são reproduzidas gravações de gritos e sons de assombração. Esses ruídos estimulam o inconsciente das pessoas em transe a considerar real aquela manifestação Objetos mágicos que embalam as ’sessões de descarrego’ Para apimentar os cultos de exorcismo, os pastores da Universal distribuem objetos com supostos poderes. Para consegui-los, o fiel vai ao altar e promete fazer ofertas generosas. PEDRAS Não é só com reza que se atacam encostos. Os fiéis recebem pedras para jogar em Golias, boneco gigante que ocupa o altar da Catedral da Fé, em São Paulo LIMPEZA Sabonete de arruda é a promessa do pastor para livrar o corpo de impurezas.
O suvenir é distribuído no ritual de descarrego ÓLEO O frasco com azeite bento é agitado para afastar ‘maus-olhados’ PROTEÇÃO O sal, que vem em pratos plásticos, é usado para ‘purificar’ o local de trabalho e o lar DÍZIMO Fiéis pegam o envelope vazio e têm de devolvê-lo cheio na semana seguinte. Exigem-se pelo menos R$ 30 por mês Alexandre Mansur e Luciana Vicária Como a psicanálise e a antropologia desvendaram os mecanismos que alimentam as possessões Transes religiosos são registrados desde a Grécia antiga, quando sacerdotisas diziam receber espíritos em rituais inspirados por música e vinho. Mas essas manifestações só começaram a ser desvendadas pela ciência no fim do século XIX, com o surgimento dos primeiros estudos em psicologia. Em 1862, o neurologista francês Jean-Martin Charcot (1825-1893) instalou-se no Hospital Salpêtrière, em Paris, convencido de que as visões de espíritos vivenciadas por alguns pacientes eram causadas por males do sistema nervoso. Para tratá-los, aperfeiçoou a técnica de induzir a pessoa ao estado de transe por meio de hipnose. Os recursos empregados, baseados na repetição de luzes ou sons, desmontaram a aura sobrenatural que cercava as possessões. Um de seus alunos, Sigmund Freud, também se interessou pela hipnose. Mas foi o suíço Carl Jung quem se dedicou a teorizar de onde vêm os ‘maus espíritos’ que atormentam as pessoas. Segundo ele, essas figuras aterrorizantes são imagens gravadas coletivamente na mente humana. Batizados de arquétipos, acompanham a humanidade há milhares de anos.
‘O diabo, que os fiéis da Universal acreditam incorporar, é uma dessas imagens e representa forças destrutivas dentro da própria pessoa’, diz a psicanalista Aurea Roitman. ‘Já o chifre e o rabo são adereços acrescentados pelo imaginário cristão.’ Enquanto os fundadores da psicologia descreveram como se induz um transe, foram os antropólogos que teorizaram sobre a função das possessões e dos exorcismos. Os missionários religiosos e médicos que viajaram para a África ou investigaram territórios dominados pelos índios nas Américas ficaram fascinados pelas cerimônias dirigidas para que alguns participantes recebessem os espíritos. A partir dessas narrativas, o filósofo francês Emile Durkheim (1858-1917), um dos fundadores da sociologia, foi um dos primeiros a teorizar sobre a função dos transes. Analisou em 1912 o papel do descarrego primitivo para garantir a unidade da tribo. ‘Os exorcismos têm a função de provar a existência de um agente sobrenatural capaz de punir os delinqüentes, por mais poderosos que sejam’, explica o antropólogo Scott Atran, da Universidade de Michigan. leu leutraix
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